José Luís Malaquias

Entre o final da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria (na altura em que a AFS iniciava os primeiros intercâmbios de estudantes), um brilhante matemático norte-americano de origem húngara – John von Neumann – criava um novo campo da matemática que designou por Teoria de Jogos. A primeira aplicação dessa teoria pretendia avaliar os cenários de uma possível Terceira Guerra Mundial e o modo como se desenrolaria o paradigma da dissuasão nuclear, naquilo que veio a ser conhecido por Mutually Assured Destruction (MAD).

Von Neumann começou por estudar aquilo em que normalmente pensamos, quando pensamos em jogos: xadrez, damas, jogo-do-galo, póquer, etc. O que caracteriza esses jogos é a vitória de um dos jogadores estar directamente relacionada com a derrota do outro. Para um ganhar, o outro tem de perder. São, por isso, designados por Jogos de Soma Zero ou Soma Nula.

Porém, em breve os especialistas de jogos começaram a perguntar-se o que aconteceria num hipotético jogo em que a soma não fosse zero. Um jogo, por exemplo, em que ambos os jogadores ganham ou ambos os jogadores perdem. Por contra-intuitivo que nos possa parecer, esses jogos existem na nossa vida de todos os dias e são até muito mais frequentes do que os jogos de soma zero. Quando duas empresas cooperam para colocar um produto no mercado, por exemplo, ambas saem a ganhar ou ambas saem a perder. Se não cooperarem e, por consequência, o produto for um fracasso, ambas ficam a perder, mas se a cooperação for bem-sucedida, ambas ganham.

Pela mesma altura, na Europa que emergia da devastação da Guerra, uma outra experiência de jogo de soma não zero dava os primeiros passos: a Comunidade Económica Europeia, depois Comunidade Europeia, depois União Europeia. Vários países europeus, que até então tinham dirimido as suas disputas pela via da guerra, com consequências desastrosas, passavam agora a cooperar em torno de uma prosperidade comum. Uma união que começou por ser económica (porque as transacções económicas são o jogo de soma não-nula por excelência), foi de tal forma bem-sucedida que criou o apetite por novas formas de união e cooperação, na área política, na área cultural, na área da segurança comum. A Europa assistiu, então, ao período de maior aumenta da prosperidade de qualquer sociedade humana em toda a história.

A mudança de paradigma das relações internacionais que então se operou foi absolutamente revolucionária em todo o espectro das interacções humanas. Enquanto virmos as relações com os outros agentes (outros países, outras regiões, outras empresas, outras equipas, outros seres humanos) como adversários num jogo de soma zero, ficamos cegos às oportunidades de cooperação que surgem à nossa volta.

Está cada vez mais claro que a humanidade está condenada a cooperar e prosperar ou a competir e a afundar-se em confrontos cada vez mais devastadores.

Um dos elementos fundamentais para a mudança do paradigma da competição para a cooperação, do jogo de soma nula para o jogo de soma não nula é o conhecimento do outro. É a humanização do outro. É a criação de empatias com o outro. Estamos geneticamente programados para tratar o desconhecido como um perigo, como uma ameaça existencial. Não conhecendo o outro, a nossa tendência é a de tratar as nossas interacções como jogos de soma nula e preparar-nos para o embate. É aí que o diálogo intercultural tem um papel fundamental. É o diálogo intercultural que nos ajuda a conhecer o outro, as suas motivações, os seus interesses, os seus medos e as suas ansiedades. A essa fase de conhecimento, segue-se a fase da empatia. Empatia por alguém que sentimos mais próximo, mais humano. Desse conhecimento e dessa empatia nascem as oportunidades de cooperação, os possíveis jogos de soma não nula em que nos podemos envolver, para benefício mútuo. E tudo nasce de pequenos passos entre pessoas comuns. De famílias que abrem as suas portas a estudantes do outro lado do mundo, de estudantes que estudam outra língua, outra cultura, outros costumes. Tudo nasce do estudante russo, chinês, norte-americano, iraniano, israelita ou palestiniano que acolhemos no nosso país e que aprendemos a ver como um ser humano completo que tem tanto medo de uma confrontação e de um jogo de soma zero como nós mesmos. Costuma dizer-se que o Programa Erasmus fez mais pela união da Europa do que mil tratados congeminados nos corredores de negociação em Bruxelas.

A AFS esteve na primeira linha desse acordar do mundo para o paradigma dos jogos de soma não nula e, estou certo, continuará a dar um enorme contributo para a paz, um estudante e uma família de cada vez.