Tudo começou no dia em que a Margarida perguntou:

– Mãe podemos acolher um estudante AFS durante um ano?

– Um ano filha? A mãe tem tanto que fazer! Além disso somos quatro cá em casa. O pai e o Rui também têm que querer!

Um dia, numa viajem de carro, com um a conduzir e o outro com os fones nos ouvidos, fizemos a pergunta. Distraídos com a condução e com a música disseram:

– Sim, está bem.

Faltavam 2 semanas para a chegada dos estudantes. Disse à Margarida:

– Ocupa-te da candidatura que eu não tenho tempo.

E ela ocupou-se, e de que maneira.

Vimos os perfis dos estudantes que ainda não tinham família e decidimos, se vamos acolher que seja uma pessoa de uma cultura completamente diferente da nossa. E assim quase sem darmos conta tínhamos uma japonesa em casa, a nossa Ayaka.

A adaptação foi fácil, pelo menos para nós. Ela teve que ambientar-se às rotinas da família. As correrias ao pequeno-almoço contrastaram fortemente com a tranquilidade a que estava habituada.

A nós surpreendeu-nos a maneira descontraída como dorme em qualquer sítio, até nas aulas. Ela explicou que dormir é muito importante e se dormimos é porque estamos cansados e precisamos de o fazer.

Como bons portugueses que somos empanturrámo-la de comida. Os voluntários da AFS tinham-nos prevenido que os asiáticos são muito educados e por isso têm muita dificuldade em dizer não. O Rui nos primeiros dias deu-lhe uma lição de dizer não. Disse-lhe que é indispensável dizer não para sobreviver em Portugal.

Adorou o bacalhau cozido, a feijoada, a canja, e os doces conventuais, sobretudo ovos-moles, pastéis de Tentúgal, cornucópias. Ah e também adorou salame. O que não suportou foi arroz doce…

– Porque põem açúcar no arroz?

Nós também gostámos dos pratos japoneses que cozinhámos com ela, o curry, a omelete japonesa e a castela. Gostamos de saber que a castela é um pão-de-ló de origem portuguesa.

A Ayaka veio de uma cidade pequena, segundo ela, só tem dois milhões de habitantes e veio parar a uma pequena aldeia perto de Leiria, nas adaptou-se bem. Toda a família, avós incluídos, criaram um grande afecto por ela. Fez amigos na escola entre os colegas e entre os professores.

A Margarida e ela criaram uma cumplicidade enorme. A Ayaka foi com ela para os escuteiros. Têm amigas comuns. E quando estão sozinhas divertem-se a traduzir músicas portuguesas para japonês. Traduziram o refrão da Cinderela do Carlos Paião e do Maravilhoso Coração do Marco Paulo e cantam-nos entusiasticamente…

Adora as nossas cidades e monumentos, os telhados vermelhos das casas, o céu à noite com estrelas, o pôr-do-sol com tonalidades rosa, a luz do dia.

Adora a lareira na casa da avó. Foi a primeira vez que viu uma lareira ao vivo, sentiu o seu conforto e ficou encantada.

Um dia levei-a a Fátima e contei-lhe a história das aparições. A sua reacção foi indescritível mas fez-me pensar que eu às vezes também reajo assim a fenómenos de outras culturas.

O português da Ayaka tem evoluído graças à sua enorme força de vontade para aprender, à nossa ajuda e dos vários amigos e professores. Continua a não distinguir avô de avó e massa de maçã mas lá chegará. A professora do português de língua não materna propôs-lhe fazer o Exame de Certificação de Português para estrangeiros antes de ir para o Japão. Estamos contentíssimos.

Às vezes quando estou sozinha com ela temos conversas sérias, sobretudo sobre o papel da mulher na sociedade. As nossas culturas são mesmo muito diferentes.

Dentro de pouco tempo a Ayaka voltará para o Japão. Para nós será uma pessoa da família que poderá voltar sempre que quiser.

Fernanda Campos
Família de Acolhimento de uma estudante AFS do Japão
2018, Leiria