Quando o meu irmão mais velho desistiu da sua candidatura AFS pensei logo que eu nunca tal faria e que me iria candidatar. 5 anos depois assim fiz e em 1972 embarquei com outros 9 portugueses num JUMBO para voar para Nova Iorque. O meu destino final era um subúrbio de Detroit, Michigan.

A família e escola que me calharam foram excepcionalmente bem escolhidas e, até hoje, mantenho ligações com a família e colegas americanos. Tive a sorte de viajar muito pelos EUA e ver um pouco de tudo, desde aldeias no Texas saídas de um filme de cowboys a campus universitários das universidades Ivy League.

A  nível pessoal lembro-me  de sentir uma liberdade inesperada pelo facto de ninguém me conhecer com base de onde vinha a minha família, que escola tinha frequentado – não havia preconceitos de espécie alguma.

Era apenas “the foreign exchange student” com o futuro todo pela frente. Isto permitiu-me ser mais destemida nas minhas escolhas e comportamentos. 

Encontrei recentemente as cartas que enviei à minha família em Portugal durante esse ano, guardadas pela minha mãe. Foi curioso re-conhecer aquela adolescente ávida de novas ideias e vivências e pronta a lançar-se a tudo.

Foi um ano inesquecível e turbulento, que relembrei quando visitei o Michigan em 2017, lendo ao vivo uma carta para a minha “Mom”. Em 1972/3 acompanhei a re-eleição de Nixon num escritório da empresa de sondagens onde ela trabalhava; em casa, numa TV na cozinha, vimos os dramáticos Jogos Olímpicos de Munich e os intermináveis “hearings” de Watergate. Depois de um 7º ano de Liceu ainda em Estado Novo, os Estados Unidos abriram-me os olhos, tanto para coisas fantásticas como para vislumbres duma América menos privilegiada e mais escondida. Recordo o dia em que nos levaram, aos AFSers da zona, a visitar uma cadeia em Detroit. Passámos silenciosos pelos corredores, observados por alguns detidos, todos jovens negros. O que me fez mais impressão foi saber que a maioria deles ainda nem tinha ido a julgamento…

Aprendi a não fazer julgamentos prévios de ninguém, tanta gente de tantos sítios fui conhecendo. No regresso, os 10 portugueses voltaram com mais kgs de peso (não falo apenas das bagagens), muitas experiências e uma enorme vontade de partilhar aquilo que viveram. 

Os meses após o regresso foram dos mais ocupados que já vivi – andei numa roda viva entre a Faculdade de Arquitectura, o Conservatório Nacional e o escritório do AFS. Sete meses de correria que se tornou ainda mais acelerada 8 meses depois, no dia 25 de abril de 1974!